29 de junho de 2009

Exposição S/ Título

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Mãe, acrílica s/ tela, 2008, 20x20 cm - fotografia de Lucas Galeno

25 de dezembro de 2008

Instantâneos | Fabíola Tasca


Desde que você me propôs escrever acerca do tema “proliferação de imagens” muitas idéias têm proliferado. Pensei em um texto que começasse enfocando nossa experiência urbana de cada dia, nossa constante surpresa diante de cada centímetro insuspeito que se converte em espaço “DISPONÍVEL”. Desde os recadinhos que nos são endereçados na intimidade de sanitários, até a ostensiva presença de novos displays que promovem uma otimização surpreendente do espaço urbano, oferecendo quatro faces disponíveis mediante um único eixo rotatório. Enfim, a lista poderia citar inúmeros exemplos facilmente reconhecíveis e, nesse processo, focalizar a ascensão da cultura da imagem e do consumo, trazendo à baila a problemática “crise do espaço público”. O texto também deveria pontuar como a sedução das imagens celebra o consumo enquanto ato máximo de escolha e singularidade. A epígrafe para este texto poderia ser a máxima de Goebbels atualizada por Bárbara Kruger: “Quando ouço a palavra cultura, eu saco o meu talão de cheques”.

Este percurso ainda permitiria evocar o diagnóstico expresso por Guy Debord com a expressão “sociedade do espetáculo”, que nos adverte como a noção de espetáculo extrapola o desfile das imagens propriamente ditas e refere-se a uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. Uma relação que expressa um nexo preciso entre o sintoma da proliferação de imagens e o modo de produção capitalista. Daí, o texto poderia seguir ecoando a analogia da metástase que costuma ser utilizada como um desdobramento quase lógico do termo proliferação. Metástase, câncer, vírus, todo um campo semântico parece aproximar o tema proliferação de imagens da lógica do capitalismo tardio, na qual o capital se manifesta como imagem.

Como exemplo, poderia citar o livro de Naomi Klein onde a autora apresenta o fenômeno do conceito de marca que nos últimos 15 anos expressa a mutação de um mercado de produtos para um mercado de imagens. Este exemplo seria um bom mote para recorrer ao texto “Narcísico mundo novo”, de Contardo Calligaris, no qual o autor traça o panorama hipotético de uma sociedade conformada por referências imaginárias e não simbólicas. Uma sociedade na qual o sujeito ingressaria não por identificações a valores, obrigações, tradições que cada um recebe de sua cultura étnica, nacional, familiar, etc, mas pela sedução das imagens com as quais busca arrumar uma identidade.

Habilmente, Calligaris nos conduz a reconhecer uma certa familiaridade nos exemplos que elenca como consequências desta estranha suposição. Após a enumeração de situações hipotéticas exemplares e bastante esclarecedoras o texto conclui: “Uma estratégia de ação política será provavelmente possível, nessa sociedade, só à condição de que seus sujeitos aceitem seu funcionamento específico e nele se reconheçam, sem culpa ou nostalgia.”

Gostei muito disso. Daí pensei em alcançar o tema proliferação de imagens a partir de uma imagem, ou melhor, a partir de uma cena. Trata-se do diálogo entre os personagens Auggie e Paul Benjamin no filme, de Wayne Wang/Paul Auster, “Cortina de fumaça”. Auggie é um comerciante de cigarros e charutos numa tabacaria no Brooklin, Paul é um escritor improdutivo após a morte da esposa. Os dois personagens conversam acerca do hobby que mobiliza o cotidiano de Auggie, e que consiste em registrar o passar do tempo, sistematicamente, do mesmo lugar - Rua 3 com 7a Avenida às 8:00hs – há 13 anos. São inúmeros álbuns contendo mais de 4000 fotografias. O procedimento é simples. Todos os dias às oito horas Auggie monta o tripé e faz uma tomada.

Paul acha a idéia curiosa, mas hermética. Folheia os álbuns distraidamente. Diz não compreender. Auggie esclarece: “Foi uma idéia que eu tive. É a minha esquina. Nessa pequena parte do mundo também acontecem coisas. Como em qualquer lugar. É um registro do meu canto.”

Diante da aparente desatenção de Paul em virar páginas e páginas dos álbuns, Auggie simplesmente sugere: “Vá mais devagar ou não entenderá”. Paul de fato não entende porque deveria ir mais devagar se são todas iguais. Auggie então pontua: “São todas iguais, mas uma é diferente da outra. Temos manhãs claras, escuras. A luz do verão. A luz do outono, dias da semana, do fim de semana. Pessoas de casaco e galochas. Pessoas de camisas e bermudas. Há pessoas que pouco aparecem. Às vezes elas se tornam habituais e as habituais somem...”

Juntamente com Paul, vemos a seqüência de imagens supostamente iguais mas, assim como Paul demonstra, nosso interesse também parece aguçado. As palavras de Auggie, ao conduzirem nossa atenção para a sutileza, nos permitem perceber que entre uma e outra fotografia, a diferença se expressa, principalmente, pela diversidade de personagens que vão ocupando o mesmo cenário. Inúmeras histórias insuspeitas. Inúmeros instantes banais, efêmeros, irrepetíveis.

Gostei muito disso. Pensei que nossa condição como sujeitos em uma sociedade do espetáculo implica considerarmos nossa posição como olhadores, implica considerarmos os procedimentos pelos quais produzimos/vemos imagens, o que poderia nos conduzir a focalizar a disposição de nossa atenção em relação ao que nos cerca, e não apenas nossa condição de consumidores vilipendiados. Sobre a epígrafe para este texto fiquei na dúvida entre a observação de Palomar sobre os melros: “E se estiver na pausa e não no assovio o significado da mensagem?” e a declaração de Leonilson: “O que eu faço na vida é prestar atenção nas coisas”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CALLIGARIS, Contardo. Crônicas do individualismo cotidiano. São Paulo: Ática, 1996.
CALVINO, Ítalo. Palomar. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
KLEIN, Naomi. Sem Logo: a tirania das marcas em um planeta vendido. Rio de Janeiro: Record, 2003.
LAGNADO, Lisete. Leonilson: são tantas as verdades. São Paulo: Projeto Leonilson, DBA, 1998